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Foto do escritorFrancisco Cavalcante

As falsas soluções do governo Bolsonaro na COP26

POR CLAUDIA HORN E SABRINA FERNANDES

TRADUÇÃO GERCYANE OLIVEIRA


O agronegócio patrocinou a delegação brasileira para limpar sua própria barra e maquiar a reputação do presidente, mundialmente conhecido como um negacionista climático. Mas o “capitalismo verde” é outra forma de negacionismo e as propostas de transformar as florestas em mercadoria não estão à altura do desafio imposto pela mudança climática.



O Brasil de Bolsonaro tornou-se conhecido como o maior renegado do mundo quando se trata de política ambiental, especialmente agora que Donald Trump desocupou a Casa Branca. Sob Bolsonaro, as taxas de desmatamento do país alcançaram picos históricos. A Amazônia não é o único bioma sob ameaça de desaparecimento em um dos países mais biodiversos do mundo.


Com a COP26, que aconteceu em Glasgow, onde as pessoas estavam esperando compromissos mais rigorosos para combater a mudança climática, o governo Bolsonaro vem promovendo uma grande estratégia de marketing para posicionar o Brasil no futuro da economia verde. Em vista de seu recorde anterior, as promessas recentes ditas por Bolsonaro nas reuniões das Nações Unidas de reduzir e até parar o desmatamento podem soar como mentirosa.


No entanto, há razões para acreditar que o novo ministro brasileiro do meio ambiente, Joaquim Leite, realmente pretende implementar iniciativas para a preservação das florestas nativas. Entretanto, isto não se deve a preocupações ambientais legítimas. Ao contrário, ele e os interesses corporativos que ele está promovendo vêem uma oportunidade de obter novos lucros e desviar a atenção das medidas que são realmente necessárias para combater a mudança climática.


As associações do agronegócio e da indústria têm patrocinado a delegação brasileira na COP26. Isto não é exclusivo do governo de extrema direita brasileira. A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) agradece diretamente a seus patrocinadores corporativos. Os funcionários corporativos estão presentes tanto nos pavilhões oficiais dos países como nas negociações. Os representantes empresariais têm muitas prioridades compartilhadas, mas duas se destacam: fazer lobby para uma abordagem de mercado de carbono para enfrentar a mudança climática e se entregar a toda lógica de maquiagem verde, o famoso greenwashing, com a qual eles podem escapar.


O agronegócio brasileiro, há muito tempo denunciado pelos movimentos sociais por sua destruição da natureza e opressão das comunidades camponesas e indígenas, quer uma participação nesta estratégia. Estes agentes corporativos querem salvar sua imagem e lucrar com o sistema de crédito de carbono ao longo do caminho.


Falsas Soluções e Capital de Carbono na COP26


COP26 foi um momento crucial para a política climática. A conferência discutiu questões críticas em torno das metas climáticas revisadas, chamadas Contribuições Determinadas Nacionalmente (NDCs), que os países apresentaram, e sobre fontes de financiamento climático e compromissos para adaptação e mitigação. Na COP15, os países de economia de alta renda prometeram US$ 100 bilhões por ano em financiamento adicional para o clima em países de baixa renda até 2020. Entretanto, eles não cumpriram esta meta, utilizando, em vez disso, orçamentos e empréstimos de ajuda ao desenvolvimento.


O Pacto Climático de Glasgow resultando da COP 26 contínua neste sentido com um pacote de promessas vagas, sem o comprometimento dos países ricos para financiar soluções reais para a crise, e com o fortalecimento de interesses do setor privado. Não há sequer uma definição comum para financiamento climático. O acordo falhou em propor medidas para parar o uso de combustíveis fósseis e manter o mundo abaixo dos perigosos aumentos de temperatura de 1,5.


Esta conferência focou em entregar o livro de regras do Acordo de Paris de 2015. Ela inclui o artigo 6 sobre os mecanismos de mitigação, financiamento e cooperação. O mecanismo do mercado de carbono promovido pelos países desenvolvidos e pelo setor privado permitirá que esses atores cumpram os limites de emissões sem reduzir a produção e o consumo de energia. Em vez disso, eles podem comprar créditos excedentes dos países em desenvolvimento para compensar emissões ou investir em projetos de desenvolvimento sustentável, tais como conservação e reflorestamento.


Esta parte do acordo, incluindo as questões “técnicas” em torno de relatórios, linhas de base, credenciamento e responsabilidade em torno do “net-zero”, onde toda a energia que é consumida no local é também gerada no local, é a mais controversa. Ela enfraquece os princípios de responsabilidades comuns, mas diferenciadas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, com base na responsabilidade histórica das nações industrializadas. Também transfere o ônus da mitigação para as pessoas nos países em desenvolvimento que integram suas florestas como sumidouros globais de carbono.


Antes de Glasgow, os movimentos sociais já esperavam a consolidação de mecanismos de greenwashing e “falsas soluções”, o domínio do setor privado e a controvérsia em torno de questões pendentes do Acordo de Paris, especialmente em relação ao Artigo 6 e ao mercado de carbono proposto. Embora a pandemia seja parcialmente culpada pelo acesso desigual à conferência, ela também se deve ao custo de viagem, hospedagem e despesas de moradia no Reino Unido; à securitização em torno do evento; e ao status privilegiado dos parceiros corporativos e patrocinadores da UNFCCC. Isto fez da COP26 um ponto baixo para a participação democrática na história das negociações climáticas.


Ativistas compararam este ano com o fracasso desastroso da COP15 em Copenhague. Eles se uniram para denunciar a exclusão, a inação e o controle corporativo na Cúpula Popular alternativa da coalizão COP26 em Glasgow. No dia 6 de novembro, Dia Global de Ação, mais de 100 mil pessoas marcharam nas ruas de Glasgow, e houve inúmeras manifestações em outras cidades e países.


As propostas corporativas de ciência e tecnologia dominaram o espaço em Glasgow, tanto físico quanto discursivo, sendo as principais a obtenção de carbono, energia nuclear e soluções baseadas na natureza (isto é, conservação da floresta e plantio de árvores). As soluções baseadas na natureza substituíram em grande parte a estrutura de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). REDD+ enfatizou o papel das florestas como sumidouros de carbono, mas não reduziu o desmatamento e muitas vezes teve um impacto negativo sobre as comunidades, restringindo seu acesso à terra.


As soluções baseadas na natureza agora incluem mais atividades de gerenciamento de terra e água e parecem mais atraentes para o público em geral do que um acrônimo complicado. Elas também atraem fortemente os investidores privados, especialmente as poderosas empresas multinacionais do agronegócio, permitindo-lhes alcançar metas de “net-zero” através da tecnologia, reflorestamento e outros mecanismos compensatórios em vez de reduzir as emissões ao longo de suas cadeias de fornecimento.


Práticas justas na seção de pavilhões da Zona Azul da COP significariam que os pavilhões dos países e os estandes do setor privado seriam separados fisicamente. Este ano, no entanto, o domínio corporativo chama a atenção enquanto se caminha pelos espaços de eventos do Facebook e da Bloomberg ao lado das áreas dos países nórdicos e do Reino Unido. O pavilhão de Papua Nova Guiné é rebocado com anúncios da Ernst & Young. Associações da indústria e do agronegócio patrocinam o Brasil.


Além disso, muitos banners listam orgulhosamente os parceiros corporativos oficiais do COP, da IKEA à Land Rover, elogiando a liderança verde das multinacionais. Suas campanhas na mídia estão tentando obscurecer o fato de que elas se opuseram e evitaram limites rígidos de emissões e padrões socioambientais ao longo de suas cadeias de fornecimento globais.


Em linha com o discurso net-zero, sob a liderança britânica, a COP26 começou com uma espetacular promoção da proteção das florestas. No segundo dia das negociações de duas semanas, mais de 100 líderes nacionais, incluindo os do Brasil, Canadá, Rússia, Indonésia, Estados Unidos e Reino Unido, assinaram um acordo florestal que se compromete a deter e reverter o desmatamento e a degradação das florestas em 2030.


Uma alternativa para o desmonte e a reconstrução do Brasil


Com a Amazônia, considerada o maior sumidouro de carbono do mundo, o Brasil tem um poder de barganha significativo nas negociações sobre florestas. Desde o golpe de 2016, que retirou a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, a equipe brasileira de negociação tem rejeitado a inclusão das florestas nos mercados de carbono e a emissão de créditos de carbono para os doadores. Ao invés disso, o Fundo Amazônia propôs um modelo nacional. Mas o governo de Michel Temer (MDB), que substituiu o PT, começou a eliminar a regulamentação ambiental e Bolsonaro seguiu o mesmo caminho.


O governo Bolsonaro reestruturou e cortou o financiamento para os órgãos que realizam inspeções ambientais e emitem multas ou licenças. Nomeou novas lideranças no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O governo também interrompeu efetivamente a demarcação de terras indígenas e a implementação da reforma agrária. O acordo florestal recentemente assinado entra em conflito com o plano de Bolsonaro de permitir a mineração em áreas indígenas, mas se enquadra em outros objetivos de seu governo.


As corporações têm pressionado com sucesso o governo Bolsonaro a apresentar sua posição sobre o artigo 6 na COP26. Um grande grupo de líderes empresariais enviou uma carta exortando o governo a se abrir aos mercados de carbono. Desde que Bolsonaro iniciou seu trabalho de desregulamentação ambiental, as empresas privadas ampliaram os investimentos nas revoluções verde e digital. Elas têm alocado capital para a construção de vias fluviais e outras infraestruturas, desenvolvendo um mercado de patentes e promovendo tecnologias agrícolas.


Na aparência, o governo Bolsonaro pode ter perdido credibilidade após suas disputas com parceiros de longa data, como Noruega e Alemanha, os doadores do Fundo Amazônia. Além disso, há pelo menos três casos contra o governo brasileiro no Tribunal Penal Internacional de Haia, acusando-o de ecogenocídio por ter incentivado a mineração e a invasão de territórios indígenas.


No entanto, as recentes iniciativas nacionais de conservação do Brasil estão em sintonia com o impulso corporativo internacional para os mercados de carbono. Desde 2019, o governo tem implementado várias políticas para privatizar a conservação no Brasil.


O programa “Adote um Parque” lançado em 2021 listou multinacionais como Coca-Cola, Carrefour e Heineken para “adotar” áreas de conservação e até mesmo território quilombola (comunidades originalmente fundadas por escravos fugitivos, cujo status é reconhecido pela constituição brasileira). De forma semelhante, o “Programa de Estruturação de Concessão de Parques Naturais” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é direcionado aos interesses “verdes” do setor privado. Por fim, o mais recente programa Floresta+ consolida o mercado de serviços ambientais do Brasil.


Estes projetos conectam o anterior ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, ao seu sucessor, Joaquim Leite. O primeiro foi visto como um negacionista do clima, enquanto a grande mídia elogiou o segundo como sendo mais moderado por suas promessas de “ambientalismo de resultado” – um ambientalismo que cumpre. As abordagens seguidas por Salles e Leite são, entretanto, dois braços da mesma estratégia anti-ecológica de um governo que continua a atacar os direitos territoriais e os movimentos de trabalhadores indígenas, tradicionais e sem terra.


Os legisladores dos principais partidos do Brasil têm discutido uma regulamentação do mercado interno de carbono proposta pelo deputado federal Marcelo Ramos (PL), do Estado do Amazonas.


Os governadores estaduais do Brasil, especialmente na Amazônia, também promoveram compensações florestais e criaram o consórcio Brasil Verde para impulsionar sua agenda dentro do Brasil e na COP. Os formuladores de políticas e a comunidade empresarial estão apresentando isso como a melhor maneira de deter o desmatamento e compensar as emissões no setor energético e de agronegócios sem frear sua expansão.


A agenda de privatizações do governo atende diretamente às grandes empresas, e tem sido acompanhada por um perigoso processo de militarização do controle ambiental através de decretos presidenciais, como a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que aumentaram o poder das Forças Armadas do Brasil. Ao mesmo tempo, o governo tentou fechar a resistência da sociedade civil, eliminando órgãos como o Comitê de Orientação do Fundo Amazônia e criminalizando ONGs e ativistas sociais e ambientais.


Capitalismo verde alimenta o negacionismo


O capital fóssil tem promovido e financiado o negacionismo climático por muitos anos, em uma tentativa de manter a indústria de combustível sujo funcionando pelo maior tempo possível. Mas esse negacionismo não é a única estratégia disponível nas economias capitalistas. A medida que cresce a consciência pública sobre a crise climática, as empresas precisam se adaptar. Muitos setores também entendem que a mudança climática representa um risco de investimento. Os gestores de ativos e especialistas em fundos verdes na COP26 estão interessados em mostrar que pode não ser mais suficiente apenas parecer verde para agradar aos clientes.


Enquanto o negacionismo climático funciona para desmantelar as políticas ambientais e facilitar o caminho de operações particularmente destrutivas, a estratégia econômica de governos de Bolsonaro é ditada antes de tudo pelas pressões do mercado para desregulamentar e, ao mesmo tempo, criar novas estruturas para o lucro. No caso do Brasil, isto significa que maiores taxas de desmatamento andam de mãos dadas com abordagens de conservação que reduzem as florestas aos estoques de carbono e oferecem ao agronegócio uma chance de lucro através da venda de créditos no mercado de carbono.


Numa situação em que as pessoas estão preocupadas com o futuro de suas florestas, passar de nenhuma floresta para as florestas comercializadas não parece ser um negócio muito ruim. Pelo menos foi assim que a grande mídia brasileira a promoveu, levando as pessoas a acreditar que a transição de Ricardo Salles para Joaquim Leite foi uma transição qualitativa, substituindo um negacionista ferrenho por um ministro pragmático.


Ela mostra a eficácia de combinar o negacionismo climático com propostas capitalistas verdes. Como o negacionismo é tão facilmente chocante, o capitalismo verde pode vir e salvar o dia com mercados de carbono e fundos de desenvolvimento sustentável, e ao sobrevalorizar o poder das tecnologias de captura de carbono e aplicações de cadeias de bloqueio. No final, ambas representam duas variações na mesma estratégia subjacente, que visa distrair as pessoas da necessidade de reduzir radicalmente as emissões de gases de efeito estufa e reestruturar a sociedade no processo.


É por isso que nossa resposta ao negacionismo não pode terminar com apelos para “acreditar na ciência”. Enquanto um punhado de pessoas pode realmente acreditar que a mudança climática é um embuste, aqueles mais ativos na promoção de tais teorias conspiratórias sabem tudo sobre a ciência há muito tempo – às vezes há mais tempo do que a maioria de nós. As empresas que aceitam formalmente os dados científicos estão promovendo um tipo diferente de negação: uma que rejeita as soluções necessárias, o que envolveria o desmantelamento de todas as suas operações.


Falsas soluções funcionam como um remédio conveniente para aqueles preocupados com o negacionismo. Elas dão a impressão de que as negociações estão avançando e que mesmo governos como o de Bolsonaro podem mudar. Os projetos do mercado de carbono e as florestas comercializadas promovidos por este governo de extrema direita definitivamente não são o que é necessário para combater a mudança climática. Essas propostas apenas permitem ao agronegócio lucrar e cultivar uma imagem “mais verde” após séculos de destruição, desapropriação e assassinato.



Sobre os autores


CLAUDIA HORN é uma socióloga morando em Belém e terminando sua dissertação na London School of Economics sobre justiça climática e iniciativas internacionais para a conservação da Amazônia.


SABRINA FERNANDES é doutora em sociologia e militante ecossocialista. Escreve e edita para a Jacobin em inglês e é consultora editorial da Jacobin Brasil. Atualmente faz pós-doutorado no Grupo Internacional de Pesquisa sobre Autoritarismo e Contra-Estratégias da Fundação Rosa Luxemburgo e Universidade de Brasília. Criadora de conteúdo do canal de esquerda radical do YouTube Tese Onze.


Publicada originalmente em www.jacobin.com.br



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